Back view image of young businessman standing against business s

Parece incrível porém 20 anos se passaram desde a primeira vez em que participei de um projeto de Planejamento Estratégico. Na ocasião ocupava um cargo executivo em uma multinacional, e poucos anos depois passei para o outro lado da mesa como consultor no desenvolvimento e implementação de inúmeros projetos semelhantes.

Daria para escrever um livro sobre o assunto, não exatamente sobre como desenvolver um Planejamento Estratégico, pois há uma série expressiva de publicações a respeito mas para registrar as aspirações, propostas e visões daqueles profissionais em relação as empresas, concorrentes e principalmente sobre o futuro projetado por centenas de dirigentes e executivos, integrantes desses projetos.

Ao ler esta introdução você poderá supor que após todo este tempo fazendo o mesmo exercício eu estaria caindo na tentação da acomodação pela própria tendência da rotina, mas posso assegurar que a prática e experiência nesta área representam uma lição altamente importante de como não se acomodar, pois se há uma atividade em que não há tédio ou monotonia é o desenvolvimento de um Planejamento Estratégico.

O Planejamento Estratégico na essência, é um exercício de projetar o futuro de uma empresa, o futuro do investimento dos acionistas, enfim o futuro de todos aqueles que estão envolvidos e comprometidos com o negócio em análise.

É fascinante participar como facilitador em um trabalho de Planejamento Estratégico, e testemunhar as reações dos integrantes deste que é o evento de maior envolvimento coletivo em uma empresa, marcado muitas vezes por paixões, emoções, choque de opiniões e não raro diversas discordâncias que se não bem monitoradas podem levar a situações complicadas.

É portanto um momento em que afloram diversos sentimentos demonstrando que por mais cartesiano que seja o formato de um Planejamento Estratégico prevalecerá sempre o lado emocional, o que é altamente positivo se devidamente dirigido a produzir resultados lúcidos e realistas.

A forma de Planejamento Estratégico que conheci vinte e poucos anos atrás, guarda pouca relação com o que pratico hoje junto aos meus clientes. O mundo é outro, as empresas mudaram o modo de enxergar o próprio negócio, as pessoas são vistas de uma outra maneira, seja no papel de colaborador ou como de cliente da empresa. O fato é que a tecnologia aproximou as pessoas tanto na relação empresa – mercado, como na relação “one-to-one”.

O mundo hoje é muito mais relacional do que transacional, o que obriga a comunicarmos e interagirmos prevalecendo “o aqui e agora” em termos de decisão, mas visando “o todo sempre” ou o “quem sabe, amanhã talvez”. Eu me lembro da “velocidade“ que o telex impôs à gestão de negócios na década de 80. Em segundos podíamos passar uma informação, mas talvez até pela cadência dos negócios na época as respostas do que solicitávamos não retornavam de forma imediata e todos achavam normal levar algumas horas ou dias para se obter uma resposta.

Hoje o mundo é mais interativo e as reações são em tempo real, o que coloca a “velocidade do telex” como sinônimo de lentidão. Estamos em um mundo multicolorido predominado pela Internet e pela linguagem visual onde a interação relacional realiza-se muito mais através de imagens do que a simples palavra expressa pelo telex, ou outros referenciais de uma realidade “ em branco e preto ”, cartesiana e determinista que moldava e ditava o conceito do Planejamento Estratégico praticado até então.

Não é por mera casualidade que as mulheres passaram a ter maior destaque dentro das empresas e nas posições de direção. Elas conseguem naturalmente pensar e agir com muito mais habilidade em um mundo marcado por esta nova realidade multifacetada de analisar, avaliar e tomar decisões muitas vezes baseadas exclusivamente na observação , no subjetivo ou na intuição já que não há bases para tomada de decisões inspiradas em certezas absolutas .

Estamos falando da migração do Planejamento Estratégico para o Pensamento Estratégico pois o mundo claro, preciso e lógico do passado deu lugar ao mercado formado pelo cenário caótico da globalização, da velocidade das mudanças e de inovações, onde o absurdo passa a ser algo que nunca foi feito, até o momento em que aconteça.

Todos os dias testemunhamos diversos absurdos tornarem-se realidade. Alguns exemplos podem ser citados nas mais diversas áreas como: o 11 de setembro em Nova Iorque; a possibilidade de um clone humano; o surgimento de uma liderança de faturamento em vendas de uma empresa de varejo como a Wal-Mart quando a “lógica” sempre foi de que a força da economia estivesse no setor produtivo, na indústria, dentre outros acontecimentos até então considerados pouco prováveis, onde o termo “probabilidade” era usado para explicar e justificar as decisões tomadas em um Planejamento Estratégico.

O Planejamento Estratégico sempre foi desenvolvido com base em fatos concretos, em análises de cenários com forte ênfase na avaliação de antecedentes históricos, ou naquilo que chamamos de “prever o futuro analisando o passado”,dentro portanto de um conceito linear e mecanicista de previsões.

Em um cenário totalmente imprevisível é necessário considerar “o que vemos e o que não conseguimos enxergar”. Em ambientes complexos é necessário perceber o contexto da situação e ao mesmo tempo o contexto do individual, da unidade e sua interação com o todo, como um caleidoscópio de multifacetas e de diversos arranjos, todos eles imprevisíveis.

No passado com cenários “mais ou menos estáveis” as empresas eram vistas como sistemas auto-reguláveis, igual a um motor por exemplo, que mediante ajustes e correções periódicas ou introduzindo-se as chamadas ferramentas de mudança, os “ treinamentos” episódicos , resolvia-se o problema de rota e direção.

Se as empresas fossem sistemas auto-reguláveis as ferramentas de mudança não proliferariam tanto e não sairiam tão facilmente de moda. Tal acontece porque elas atuam na superfície. Tratam os sintomas, não a doença.

No contexto atual as empresas são efetivamente componentes de um processo complexo e sistêmico interagindo com mercados que se comportam de maneira randômica, nunca de forma linear ou previsível. É fundamental não confundir complexidade com complicação.

Complicação significa prolixidade, desorganização, falta de entendimento.

Complexidade quer dizer diversidade, conviver com o imprevisível, com mudanças constantes e com conflitos – e ter de lidar com tudo isso mobilizando potenciais criadores e transformadores, o que nos leva a concluir que é inútil querer adotar soluções simples para sistemas complexos e que é pouco prudente adotar soluções descontínuas (as supostamente radicais ferramentas de mudança), diante de processos contínuos e imprevisíveis (os modismos passam, mas a realidade do mercado continua).

Hoje portanto o Planejamento Estratégico “per si” não levará a empresa a um destino feliz. È importante o internalização do Pensamento Estratégico pois enquanto o Planejamento é um processo de análise, a Estratégia é um processo de criatividade com base em soluções inovadoras onde entra o componente Pensamento Estratégico.

Pensar estrategicamente é enxergar a realidade por todos os ângulos possíveis, buscando soluções cada vez mais de tom inovador e que coloquem a empresa em uma posição de competitividade sustentável. Em minhas palestras sobre o tema sempre comento que Competitividade:
é saber fazer algo que só você saiba fazer e que represente valor a um grupo expressivo de consumidores.

Por outro lado a Estratégia necessária à geração da Competitividade deverá ser original, distintiva e dificilmente copiável pela concorrência, e portanto concebida a partir de muita originalidade.

Como fomos educados a pensar de forma racional percebo que muitos executivos tem ainda a falsa impressão de que quanto maior for o número de controles e fontes de consulta utilizados, melhor será o trabalho do Planejamento e melhor serão as Estratégias, daí o fracasso do Planejamento pois tudo é definido baseado em dados estatísticos, relatórios financeiros e “previsões confiáveis”. Este “engessamento” não dá espaço à criatividade , à intuição e não há abertura ao debate.

Para um bom Planejamento o importante é a qualidade das informações e não a ênfase na quantidade. Por outro lado somente com uma Estratégia baseada no Pensamento Estratégico é que as empresas poderão produzir resultados eficazes.

Procure analisar as empresas vencedoras que você conhece e perceberá que todas apresentam Estratégias originais, distintivas e que seguramente foram geradas a partir dos fundamentos que aqui estamos discorrendo. Quando os relógios japoneses invadiram o mercado dominado pelos relojoeiros suíços, de nada adiantou aumentar a precisão dos relógios suíços. Quando a Pepsi aumentou seu market-share de nada adiantou lançar a New Coke com um melhor sabor que a Coca Tradicional.

Como o que interessa é o exemplo e não a veracidade do fato, temos a narrativa de que na segunda guerra mundial os aviões ingleses que retornavam avariados da batalha traziam diversos furos das balas inimigas sempre nas mesmas partes da fuselagem e obviamente eram rapidamente reparadas.

Entretanto o número de aviões abatidos era crescente e os que retornavam continuavam a apresentar furos nos mesmos lugares. Como ninguém poderia examinar os aviões derrubados nunca saberiam o que teria causado a queda, até que alguém teve um “insight” e resolveu reforçar a fuselagem dos aviões nas partes não afetadas ao invés do processo tradicional de reparo. A partir daquele dia em diante o número de aviões abatidos diminuiu drasticamente.

Em um caso mais recente ocorrido em um de meus clientes, percebemos que a empresa inspecionava peça por peça para “cumprir a norma ISO 9000” – segundo alegação que nos foi dada – pois haviam assumido o compromisso de controle na base de defeito zero na produção. Era muito trabalho envolvendo muito tempo e mão de obra.

Ao estudar o problema percebemos que não havia registro de nenhuma rejeição na inspeção nos últimos 8 meses ao mesmo tempo em que nenhum cliente havia reclamado de defeitos. Imediatamente eliminamos a árdua e custosa tarefa de inspeção em 100 % das peças e criamos um caderno com uma etiqueta onde se podia ler : RELATÓRIO DE PEÇAS DEFEITUOSAS e que obviamente não continha nenhuma anotação.

O fato é que a norma ISO não obriga a inspeção 100 %, ela apenas orienta nesta situação, a criação de controles de defeitos, e assim o caderno passou a ser o registro do controle.

Pensar estrategicamente é enxergar o invisível.

Para tanto é necessário conhecimento de causa , forte poder de observação e curiosidade constante. O Pensamento Estratégico não ocorre apenas por vontade, desejo ou necessidade. Pensar estrategicamente demanda muita prática, disciplina e metodologia. Enquanto o Planejamento Estratégico é formulado e revisado periodicamente, o Pensamento Estratégico deve ser praticado e exercitado todos os dias e por todos na organização, seja na definição das estratégias corporativas, na reformulação de processos, na forma de atendimento de clientes ou ainda no desenvolvimento de produtos e serviços, por exemplo. Assim agindo a empresa sempre terá um Planejamento Estratégico afinado com os altos e baixos de um mercado cada vez mais competitivo.

Conclusivamente podemos resumir nossas observações sobre como desenvolver o Planejamento Estratégico através do Pensamento Estratégico em 10 princípios básicos:

1 – Defina claramente a Visão, Missão, Objetivos, Crenças e Valores
Poucas empresas dão valor a estas definições, utilizando-as meramente como “efeitos cosméticos”. Em primeiro lugar elas precisam ser verdadeiras, realistas e praticáveis. Em segundo lugar só contrate pessoas que possuam o perfil alinhado a essas definições.

2 – Avalie suas chances de Sucesso em função dos Objetivos Corporativos
Se as premissas do item 1 forem realistas o próximo passo será a avaliação do Posicionamento Competitivo. Há empresas que subestimam as forças dos concorrentes e minimizam as ameaças do mercado. Como dissemos Competitividade é saber fazer alguma coisa que só você saiba fazer e que represente valor a um grupo expressivo de clientes.

3 – Pratique o Pensamento Estratégico na Avaliação das Estratégias
Se todos na empresa estão afinados principalmente com os Objetivos e Crenças e Valores, teremos um grupo de pessoas sintonizadas na mesma freqüência em busca de soluções inovadoras e que poderão representar a diferença que faz a diferença. Convide seus principais fornecedores, distribuidores e principais clientes a participar destes exercícios. O resultado será surpreendente.

4 – Permita que as pessoas expressem livremente suas opiniões e percepções
Lembre-se que a solução de um problema complexo jamais será encontrada no mesmo nível de consciência que o criou, e aqui estamos tratando de complexidade “stricto sensu” , portanto nada é absurdo neste exercício. Se há conhecimento de causa, alto poder de observação, curiosidade constante , é lícito que as pessoas se sintam à vontade para expressar suas opiniões e visões sobre os fatos.

5 – Obtenha o Compromisso Coletivo com o Resultado
Estamos tratando do futuro da empresa e do futuro de todos. È necessário portanto haver o senso de comprometimento coletivo com os resultados. Se positivos, todos participam das glórias e benefícios, se negativos todos arcam com o ônus. Ninguém acreditará em retóricas ou teorias de mudanças se não houver comprometimento para valer.

6 – Identifique e Incentive as Lideranças
Se a ideia é a migração para o Pensamento o Estratégico, será natural que neste exercício se despontem as lideranças dentro dos grupos. Lembre-se que ambientes de alta turbulência exigem Estratégias inovadoras e que implicarão muitas vezes em mudanças expressivas. Só os verdadeiros líderes é que poderão conduzir a empresa aos novos caminhos.

7 – Elimine o excesso de Peso e feche o Foco na sua Estratégia
Há uma regra básica em gestão indicando que para ganhar é preciso deixar para trás tudo aquilo que não está relacionado com a Estratégia. Na medida em que as mudanças exigirem novas posturas estratégicas você terá que rever processos, rever a estrutura organizacional e principalmente ter pessoas realmente alinhadas ás novas competências requeridas pela Estratégia. Tudo mais é dispensável e deve ser eliminado.

8 – Ponha imediatamente em prática sua Estratégia
Não se apresse em decidir se não estiver convencido de que sua empresa tenha chegado a melhor Estratégia possível . Estude com cuidado todas as variáveis em jogo, tanto visíveis como as não visíveis. Entretanto em um cenário de mudanças constantes é necessário colocar as Estratégias em prática tão logo estejam claramente definidas. O “timing” em Planejamento Estratégico é fundamental.

9 – Crie medidores de desempenho
Tudo aquilo que não conseguimos medir, não conseguiremos controlar. Portanto você vai precisar de medidores muito precisos e eficazes, até para que haja um certo “descontrole administrável” , pois em um cenário caótico se você tiver controle total da situação “ é sinal que você não estará andando suficientemente rápido”.

10 – Prepare-se para mudar tudo no dia seguinte
Se o mercado é dinâmico e mutável você precisará estar pronto para alterar tudo novamente em função da mudanças de cenário, padrões de reação dos concorrentes e principalmente em função de seus próprios erros que com certeza acontecerão.

Comentários sobre “Do Planejamento ao Pensamento Estratégico

  1. Bom dia,
    Excelente artigo. Não consegui identificar quando foi escrito, mas continua atual.
    Atuo na área de Gestão Estratégica no Poder Judiciário desde 2007 e enfrentamos tudo isto continuamente.
    E este é o nosso grande desafio: Pensar estrategicamente!
    Parabéns.

Deixe uma resposta para Assis Ribeiro Cancelar resposta

O seu endereço de email não será publicado. (Campos obrigatórios são marcados *)